quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Duele.

Postado por Flá às 18:15

-O que você está fazendo aqui? – Ela perguntou assustada ao sentir a presença do marido no quarto e enquanto terminava de colocar as sapatilhas nos pés inchados.
-Não posso chegar mais cedo do trabalho? – ele afrouxou a gravata e a viu revirar os olhos – Sinto saudades também, Eve, mesmo que você não acredite.
-Claro que pode, só não te esperava – ela passou a mão pelos cabelos – Mas já que está aqui, pode me ajudar a levantar? Sua filha pesa e muito, talvez tenha puxado a minha compulsão por comida.
-Sua compulsão é por doces, apenas e você sabe – ela deu de ombros, ele sorriu – acho que por massas também, por isso eu vim te chamar pra jantar fora, tem uma nova cantina italiana no prédio do escritório.
-Nunca vai deixar de me levar nos arredores do seu trabalho? – ela o encarou com os braços cruzados e sugestivamente apoiados na barriga.
-Não vamos discutir de novo, vamos? – Ele abriu o guarda-roupa procurando algo que combinasse com o vestido dela.
-Foi você quem começou sugerindo o lugar! Por favor, John, eu não quero ir lá e cruzar com alguém. – Ela quase chorava, passara nove meses jogando a culpa nos hormônios e agora se perguntava o que iria fazer.
-Ainda não superou o que ocorreu? Nós vamos ter uma filha, linda se puxar a mãe e que eu já amo tanto, Eve, você não pode imaginar.
-Não duvido que você já a ame, é a sua filha tanto quanto minha – agora sua voz trazia também traços de impaciência – mas e eu? Você também me ama?
-São sentimentos diferentes! – ele se sentou na cama com um ar de derrotado.
-É o que se espera realmente, ela é sua filha e eu ainda sou sua mulher. – ela cogitou se sentar, a barriga pesava, mas não queria sofrer para se levantar depois caso precisasse sair rápido, tinha medo dos rumos que a conversa tomaria.
-Por mim, você será sempre a minha mulher, aquilo não foi nada. – ele a encarou como se suplicasse o fim da discussão.
-Foi a sua mulher se negando a ter algo com você por um enjoo de uma gravidez que ela ainda nem sabia e no dia seguinte você se deitando com aquela mulher. – talvez fosse melhor parar, mas ela tinha esperanças dele dizer algo que a fizesse mudar de ideia, algo que a fizesse desistir de sair da maternidade direto para um apartamento – Foi isso que ocorreu, simples, não?
-Nem um pouco! – ele elevou o tom e logo se arrependeu – Eu fui trabalhar, peguei um pouco da bebida do escritório e acabei exagerando, no outro dia só me lembrei da dor de cabeça, você sabe! Se ela não estivesse do meu lado, eu nem poderia imaginar.
-Se ela não estivesse do seu lado, eu não saberia também, era um sábado de manhã, ninguém veria, mas eu tive a brilhante ideia de ir fazer as pazes para poder te contar que o teste tinha dado positivo!
-Apesar de tudo, a sua melhor decisão. Pensa que depois daquele dia eu nem se quer dormi outra vez do seu lado, nem literalmente dormir! – ele colocou a cabeça entre as mãos.
-Você realmente não entende o que eu queria, John, você nunca vai entender e eu me pergunto quando foi que nosso casamento desandou, não pode ter sido simplesmente naquele dia! – a dor veio em uma pontada forte que foi impossível permanecer de pé, por mais que quisesse. Também foi impossível conter um gemido.
-Você está bem? – ele perguntou aflito ao ver uma lágrima escorrer.
-Não sei – ela estava sendo sincera – acho que sim.
-Então o que houve? – ele insistiu realmente preocupado.
-Acho que... – ela gaguejou sentindo o líquido escorrer e olhando para as pernas – que a bolsa estourou, mas não faltam pelo menos duas semanas?
-Talvez não, talvez ela tenha se apressado e agora também nem é hora para contas! – ele sorria, mas a voz saia tremendo de nervoso, igual suas mãos que também tremiam. – O que eu faço?
-Pega a bolsa dela, eu já deixei tudo pronto, me coloca no seu carro e me leva para o hospital, pode fazer esse favor?
-Agora não, Eve, dá um tempo nessa sua ironia! – ele disse revirando o guarda-roupa atrás da bolsa – Alguma coisa a mais? Pra você?
-Agora não, vou ter essa menina e depois penso no que eu preciso e peço para alguém vir pegar – ela tentava se levantar e ele correu para ajudá-la.
-Já que você não vai dar um tempo, eu preciso avisar que sou eu quem vai vir pegar as coisas e te levar, tá? Mas só farei isso nos segundos que não puder estar ao lado das mulheres da minha vida.
-Da mulher – ela forçou um sorriso e pensou se teria que forçar mesmo se não estivesse em um carro indo para o hospital em pleno trabalho de parto. – Você nunca foi ruim em concordâncias de plural.
-Das mulheres – ele sorriu e olhou rápido para ela enquanto o trânsito continuava parado – Eu precisei ver essa semana para criar coragem, meu amor.
-Meu o quê? – a expressão dela misturava à dor a indignação que surgiu no fim da frase.
-Eu te amo, Eve – ele sorriu e ela também, esperara cinco anos por aquela frase. Ele colocou a mão sobre a barriga – E te amo também, pequena.
Ambos se encararam sorrindo e finalmente chegaram destino.

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