-O que você está fazendo aqui? –
Ela perguntou assustada ao sentir a presença do marido no quarto e enquanto
terminava de colocar as sapatilhas nos pés inchados.
-Não posso chegar mais cedo do
trabalho? – ele afrouxou a gravata e a viu revirar os olhos – Sinto saudades
também, Eve, mesmo que você não acredite.
-Claro que pode, só não te
esperava – ela passou a mão pelos cabelos – Mas já que está aqui, pode me
ajudar a levantar? Sua filha pesa e muito, talvez tenha puxado a minha
compulsão por comida.
-Sua compulsão é por doces,
apenas e você sabe – ela deu de ombros, ele sorriu – acho que por massas
também, por isso eu vim te chamar pra jantar fora, tem uma nova cantina
italiana no prédio do escritório.
-Nunca vai deixar de me levar
nos arredores do seu trabalho? – ela o encarou com os braços cruzados e sugestivamente
apoiados na barriga.
-Não vamos discutir de novo,
vamos? – Ele abriu o guarda-roupa procurando algo que combinasse com o vestido
dela.
-Foi você quem começou sugerindo
o lugar! Por favor, John, eu não quero ir lá e cruzar com alguém. – Ela quase
chorava, passara nove meses jogando a culpa nos hormônios e agora se perguntava
o que iria fazer.
-Ainda não superou o que
ocorreu? Nós vamos ter uma filha, linda se puxar a mãe e que eu já amo tanto,
Eve, você não pode imaginar.
-Não duvido que você já a ame, é
a sua filha tanto quanto minha – agora sua voz trazia também traços de
impaciência – mas e eu? Você também me ama?
-São sentimentos diferentes! –
ele se sentou na cama com um ar de derrotado.
-É o que se espera realmente,
ela é sua filha e eu ainda sou sua mulher. – ela cogitou se sentar, a barriga
pesava, mas não queria sofrer para se levantar depois caso precisasse sair
rápido, tinha medo dos rumos que a conversa tomaria.
-Por mim, você será sempre a minha
mulher, aquilo não foi nada. – ele a encarou como se suplicasse o fim da
discussão.
-Foi a sua mulher se negando a
ter algo com você por um enjoo de uma gravidez que ela ainda nem sabia e no dia
seguinte você se deitando com aquela mulher. – talvez fosse melhor parar, mas
ela tinha esperanças dele dizer algo que a fizesse mudar de ideia, algo que a
fizesse desistir de sair da maternidade direto para um apartamento – Foi isso
que ocorreu, simples, não?
-Nem um pouco! – ele elevou o
tom e logo se arrependeu – Eu fui trabalhar, peguei um pouco da bebida do
escritório e acabei exagerando, no outro dia só me lembrei da dor de cabeça,
você sabe! Se ela não estivesse do meu lado, eu nem poderia imaginar.
-Se ela não estivesse do seu
lado, eu não saberia também, era um sábado de manhã, ninguém veria, mas eu tive
a brilhante ideia de ir fazer as pazes para poder te contar que o teste tinha
dado positivo!
-Apesar de tudo, a sua melhor
decisão. Pensa que depois daquele dia eu nem se quer dormi outra vez do seu lado,
nem literalmente dormir! – ele colocou a cabeça entre as mãos.
-Você realmente não entende o
que eu queria, John, você nunca vai entender e eu me pergunto quando foi que
nosso casamento desandou, não pode ter sido simplesmente naquele dia! – a dor
veio em uma pontada forte que foi impossível permanecer de pé, por mais que
quisesse. Também foi impossível conter um gemido.
-Você está bem? – ele perguntou
aflito ao ver uma lágrima escorrer.
-Não sei – ela estava sendo
sincera – acho que sim.
-Então o que houve? – ele insistiu
realmente preocupado.
-Acho que... – ela gaguejou
sentindo o líquido escorrer e olhando para as pernas – que a bolsa estourou, mas não
faltam pelo menos duas semanas?
-Talvez não, talvez ela tenha se
apressado e agora também nem é hora para contas! – ele sorria, mas a voz saia
tremendo de nervoso, igual suas mãos que também tremiam. – O que eu faço?
-Pega a bolsa dela, eu já deixei
tudo pronto, me coloca no seu carro e me leva para o hospital, pode fazer esse
favor?
-Agora não, Eve, dá um tempo
nessa sua ironia! – ele disse revirando o guarda-roupa atrás da bolsa – Alguma coisa
a mais? Pra você?
-Agora não, vou ter essa menina
e depois penso no que eu preciso e peço para alguém vir pegar – ela tentava se
levantar e ele correu para ajudá-la.
-Já que você não vai dar um
tempo, eu preciso avisar que sou eu quem vai vir pegar as coisas e te levar,
tá? Mas só farei isso nos segundos que não puder estar ao lado das mulheres da
minha vida.
-Da mulher – ela forçou um
sorriso e pensou se teria que forçar mesmo se não estivesse em um carro indo
para o hospital em pleno trabalho de parto. – Você nunca foi ruim em
concordâncias de plural.
-Das mulheres – ele sorriu
e olhou rápido para ela enquanto o trânsito continuava parado – Eu precisei ver
essa semana para criar coragem, meu amor.
-Meu o quê? – a expressão dela
misturava à dor a indignação que surgiu no fim da frase.
-Eu te amo, Eve – ele sorriu e
ela também, esperara cinco anos por aquela frase. Ele colocou a mão sobre a
barriga – E te amo também, pequena.
Ambos se encararam sorrindo e
finalmente chegaram destino.